quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Mais um conto, bem antigo e imaturo.

Relato de Abílio

Introdução
Esta pode parecer uma história feliz, mas não te enganes. Renato foi feliz uma única vez. Na hora da morte. Sua vida não passou de uma mentira e sua morte foi mais uma. Por que Renato não morreu, pra falar a verdade, acho que nem viveu. Sua história se resume a uma única aventura de amor, ou melhor, de mentira.Morreu aos 23 anos, por ele teria sido antes. Morreu em casa, só. Tu deves estar se perguntando como eu sei de tudo isso? Fui o seu único e verdadeiro amigo, mas na hora de sua morte não pude estar presente, pois fui mais apressado que ele.No dia 02 de agosto a cortina vermelha desceu para o vão que foi a vida de Renato Lágrima, que trazia a tristeza em seu nome. Quando as luzes apagaram a única coisa que se ouviu foi o silêncio dos olhos pasmos. Morreu assim, sem palmas, como se a ribalta não o alcançasse, como se não fizesse parte do espetáculo.

Nº 28
Lembro-me da ultima vez que o vi. Éramos jovens e vivíamos no mesmo quarto de numero 28, no orfanato “Colinho de painho”. Não me lembro com detalhes da nossa conversa, mas, se não me engano, era algo sobre comunicabilidade. E ainda nesta noite, já enrolado no lençol, ouvi ele me balbuciar um “Obrigado Abílio!”.E apesar de não entender muito bem, respondi-lhe, - Por nada Renato!-No outro dia não acordei. E só assim pude entender o seu obrigado, percebi que, além do cigarro, era eu a sua única companhia. Deixei Lágrima no dia 17 de agosto, estávamos com 17 anos.Soube que um ano após a minha morte Renato mudou-se para Rua Santa Cruz, que hoje se chama Rua Doutor Ricardo Borges Pinto, no bairro Caixa D’água.
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Sonhos
Todo dia, após o almoço, subíamos para o quarto e, antes da sesta, compartilhávamos sonhos. Numa destas prosas contou-me Renato sua mais intima aspiração, que me pareceu simples, mas em se tratando de Lágrima, não é de fácil entendimento, por isso não vou contar-lhe o contado, não é necessário que eu encha a tua cabeça neste momento. Não fique curioso, quem sabe em momento mais oportuno eu revele? O que é preciso que entendas neste momento é que ele me contou uma de suas intimidades e iste era o primeiro sinal de confiança que ele depositou-me, não sem antes fazer-me jurar segredo. Nunca havia dito desejos tão pessoais, pelo menos a mim. Entendes agora o motivo do meu espanto?Descemos juntos, ainda no mesmo dia, para jantar. Renato com sua roupa de sábado, eu com meu traje de sempre. Ah! E eu quase ia me esquecendo, Renato tinha uma perna menor que a outra, a direita, e por isso usava uma bengala de Jacarandá que ganhara de Enéas, no natal passado. “Não é só uma bengala! É uma companheira de grande estilo!”, disse Enéas ao entregar-lhe o presente. Deste dia em diante não largou mais a vareta.Sentamos no mesmo local de sempre, longe dos meninos e longe das meninas, comemos a mesma comida de sempre e voltamos no mesmo horário de sempre. Lembro-me perfeitamente da afobação que eu sentia ao chegar perto dos meninos, não que com as meninas fosse diferente, mas, claramente, não chegava aos pés... Não sabia o motivo, mas também sempre procurava fugir do assunto e falar de política, futebol, religião, enfim, qualquer outra coisa.

Ateus
Relendo o capítulo anterior, lembrei-me de certa ocasião em que Renato falou-me que não confiava nos padres e, muito menos, nos papas. “Não acredito nesses carecas! Só falam, falam e falam, mas sair do canto que é bom, nada!”. Afirmava com tanta veemência que fez-me perceber suas insatisfações religiosas. Não o julgue pelo que lês, acho que, em certos pontos, eu também concordava, mas tinha medo. Hoje, analisando os fatos passados, cheguei a uma conclusão:
Éramos ateus (que coisa sem graça...).

Alcova
Recordo-me das visitas em minha alcova no dia do meu falecimento, não eram muitas, mas eram verdadeiras. Estavam presente Renato, Enéas, Alves, Berenice e mãe Jurema. Ninguém chorava, mas não me incomodei, afinal, eu também não costumava chorar em enterros. Do lado de fora do quarto havia dois ou três meninos espiando pela fechadura. Hoje os agradeço por estarem ali, pois me deram outro capítulo.

Meninos
Dias após a minha morte os meninos inventaram motivos para ela. Alguns dizem que morri sufocado, outros dizem que de pecado, mais o que mais me incomodou, e unanimemente aceito por todos, foi o da moléstia. Da onde contraíra a tal moléstia?!Surgiram várias explicações, alguns diziam que peguei da comida de dona Ziza, a senhora da cantina, tese fundada em minhas freqüentes visitas a Mágno, filho da senhora, que servia-me de Companhia nos sábados em que Renato saía para visitar seu tio Tenório. Dona Ziza não tinha uma das mãos. Outros diziam que peguei a moléstia da perna de Renato, diziam os meninos que a perna dele tinha vida própria e que quando ela quisesse sairia do seu corpo a procurar outra que lhe combinasse o tamanho e juntas sairiam por aí chutando as bundas dos cegos.Eu acreditava em parte, mas não achava que ela procuraria um par e também não acreditava que ela passasse moléstia para outros.É importante ressaltar que este foi um dos motivos que contribuíram para a saída de Renato, após completar a maior idade.

A despedida
Um ano e dois meses após minha morte, Renato foi morar no bairro da Caixa d’água. Sua despedida não foi calorosa nem fria, poucos amigos e pouca comoção.Levara apenas um par de roupas, sua bengala, e o dinheiro que lhe deixei. Seu tio lhe comprara uma casa, não era lá essas coisas, mas dava para sobreviver. Situada ao lado de uma pensão, a casa tinha lá seu charme. Arrumara a casa a seu modo, ainda lhe faltava muita coisa, mas havia de comprar assim que começasse a trabalhar no escritório do tio. Seus novos visinhos doaram-lhe alguns trapos velhos que serviriam para diminuir o oco da casa enquanto não providenciasse móveis novos. Trocaram cumprimentos, boas vindas e nomes, apesar de não lembrar muito bem dos nomes, Renato não se esquecera de Emiliana. Desta, falo outrora, convém apresentar-lhes Tenório.
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Tenório
Irmão de Eusébia, mãe de Lágrima. Sentia-se na obrigação de dar um futuro para o pobre órfão. Não tirara antes do orfanato por motivos burocráticos, vou-lhes explicar em outra oportunidade. Os seus cinqüenta anos já se afastaram muito e por isso não perderia a oportunidade de arrumar um nome para os seus testamentos. Apesar da aparência não me parecia mal sujeito, chegou até a enviar-me doces. A única coisa que me incomodava era o fato de ele ser solteiro. Como pode um homem de certa idade ser solteiro?
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Agora sim, Emiliana
Dentre todos vizinhos só enxergara a enteada de dona Lúcia. A dona de olhos pretos. Era uma boa moça, Emiliana. Lavava, passava, cozia e tudo mais. “É uma santa!”. Exclamava Dona Lúcia. E de fato tinha razão.
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Paixão à segunda vista
De primeira nem tanto, mas de segunda...Apaixonou-se perdidamente por aquela moçoila. A primeira vez é inesquecível. Lembrei-me da minha, apaixonara-se certa vez vês por um moço do quarto 16, apesar de nunca ter dirigido o meu olhar ao seu, sabia que não havia fundamento.O mesmo não aconteceu ao Renato, dizem as más línguas que até beijos foram trocados.
Não acredito muito.
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O fim
Dois anos mais tarde Emiliana mudou-se para Santa Lucia, deixando meu amigo. Ainda penou durante uns três anos antes que o enfarto o encontrasse.
J.

domingo, 27 de setembro de 2009

Cambitos

Logo que me vejo andando penso,
Lá vai o balde amargo de sentimentos.

Gosto de andar ao entardecer...
As pessoas dessa hora são poucas, feias e engraçadas

Ao encontrar um sujeito gordo e conhecido,
Logo ouvi gritar, do primeiro capítulo do casamento, uma frase que me apodrece,

- Todo magro é canalha! –

Enraivecido, apanhei o primeiro transporte que me veio à vista e vim parar aqui.
E agora, olhando o espelho e minhas pernas, sinto angustia e raiva do meu pai.

J.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Mais um conto (fresquinho)


O homem de preto

Bendita conta!
Toda sexta-feira ele chega de mansinho e toca delicadamente o meu ombro.
É o carinho, antes da tapa; A faísca, antes da explosão; A curva que a bola faz antes de bater na trave e correr para a linha de fundo. Mostra-me, num misto de sutileza e perversão, a pasta preta, aparentemente muito inocente, abro-a. É quando a noite acaba. Ela vem com o homem de preto, se acomoda em minhas palmas e leva-me tudo.
Bendita conta!
Pesadelo dos bêbados, das putas, dos viciados, dos vagabundos, dos pais, das mães, dos ladrões, dos evangélicos... Ou seja, do povo.
Carnaval e conta são as duas únicas coisas que são feitas pelo povo e para o povo.

Última sexta-feira
Eu não sei a quem odeio mais, se é o homem ou a pasta.
Combinemos que os dois são inconvenientes, mas não posso ficar “em cima do muro”. Escolho o homem, afinal, detesto ver aquele sorriso cínico e aquela educação do ofício, sem levar em consideração o seu traje fúnebre. Nesta última sexta ele estava com a gravata vermelha, não a suporto.
Serviu-me bem, tirando o fato da segunda cerveja, veio quente, mas foi rapidamente substituída. Não posso lhe negar o elogio da eficiência. Guiava a bandeja com maestria, aquela coisa redonda e brilhante, alegria da mesa, era conduzida por um experiente, porém maquiavélico, garçom. Era como um bom jogador desleal, que sempre usa uma camisa com numero impar.
Estava eu na mesa com mais dois amigos, o Rosa e o Daniel.
O Rosa era amigo antigo, conheci quando ainda morava na casa dos meus pais, e Daniel conheci um dia antes, na quinta, numa dessas peladas de velhos.

“Sobre a mesa” e “Descrição”
Sobre a mesa, além da toalha xadrez, de bom gosto, estavam acomodados dois copos americanos de cerveja, uma taça de alguma bebida doce que o Rosa pediu (provavelmente uma dessas bebidas que são feitas para as mulheres), uma carteira de cigarros e o cinzeiro companheiro. Além dos meus cotovelos e de uma mosca pousada na boca do meu copo, nada mais descansava sobre aquela mesa.
O bar dessa esquina não tinha nada de mais. E é por isso que me atraía, aliás, me atrai.
Um balcão brega e de azulejos brancos combina perfeitamente com as paredes, também de azulejos brancos. As enormes portas, são três, permitem que, mesmo de longe, se aviste o vermelho “WC”, escrito na porta do banheiro unissexo.
O chão de cimento batido contrasta lindamente com o resto do ambiente, tudo isso encantado com a belíssima voz de Carlos Alexandre, embora o som de um desses carros rebaixados, nesse dia, atrapalhasse a harmonia do local.

O cachorro marrom e branco
No pé da mesa vizinha estava Pedro, deitado no chão, esperando que alguma alma bondosa lhe arremessasse um osso, ou qualquer outra coisa mal vinda ao estômago humano. O canino já pairava nos 12 anos, com um de seus olhos cegos, recebia carinho e atenção do seu dono, o dono da bandeja. Este cachorro era praticamente um boêmio, encostado em uma mesa de bar, onde sempre fica até o amanhecer. Embebedado pela noite, a espera de um amor clandestino.

Pedido inconveniente
Aproveitei o silêncio da troca do CD para pedir uma porção de tripa frita, pedido este que não teria feito se fosse me dado o dom dos videntes. Na mesma hora em que Balthazar começou a entoar “Sara”, Rosa acendeu o cigarro e cuspiu,
-Esse país não vai pra frente não! Comé que um presidente, entendeu? Um presidente! Fala isso pro povo?! Isso é um desrespeito rapaz! Nunca vi uma coisa dessa, a pessoa chega falanu isso para o povo, inda mais senu o presidente! Entendeu?-
Daniel,
- Mas rapaz, é mermó! Nem tava lembranu disso... Como é que um chefe de estado fala uma palavra dessa?! Se eu tivesse lá eu tinha jogado um tijolo no meio das testa dele!-
Batendo na mesa, discordei,
-Mais veja só... vocês também num fala essa porra? Intão o que é que tem de mais o homi falar? Eu num vejo nada de mais, ele num é um homem normal? Concorda?-
Revoltado, Daniel, tocando o meu ombro, como se eu não estivesse prestando atenção, indagou,
-Tu já visse o presidente dos Estados Unidos da America falar uma coisa dessa?-
Tocou meu ombro mais uma vez,
-Tu já visse o primeiro ministro da Inglaterra falar uma palavra dessa?! Num viu não rapaz! Por que lá é país de homi! Se o cara falasse uma coisa dessa lá...rhum! Sei não viu...O pau cumia nego!-
Completou Rosa,
-Isso num existe não rapaz! Essas coisas só acontece aqui mermo, pq todo mundo faz o que quer nessa merda, Entendeu? Tão dizendo por aí que até dar o oiteco agora é normal! Entendeu?-
Perdi a paciência,
-Puta que pariu! Entendi cacete! Tu vai fica repetinu quantas vezes essa porra dessa palavra? Carai mim, tu é fodinha tu visse!-

As tripas ocuparam nossas bocas!

Silencio para as tripas
Foi o único e mais longo momento de silêncio naquela mesa.

Para mudar o rumo
“do Lat. Vomitare

v. tr.,
lançar pela boca o conteúdo gástrico;

jorrar;

fig.,

proferir com intenção de injuriar;

dizer de seguida sem resguardo ou pudor;

despejar;

jorrar;

desembuchar;

pop.,
contar o que era segredo.”

Foi o que me aconteceu. Eu sei que este não é o assunto que ocuparia a tarde de uma distinta senhora da orla ou de um homem de bem, mas quem gosta de agradar é puta, portanto, fiquemos com a verdade.
Depois disso não lembro mais de nada. Pulemos para o meu despertar então!

Bom dia bêbado imundo!
Meus olhos úmidos, de vômito e lambidas canina, abriram assim que o toque, nada delicado, da mão calejada do garçom balançou o meu ombro, balbuciando um,
-Bom dia bêbado imundo!-
Tudo bem, eu admito, não foi isso que ele disse, mas foi o que ele queria dizer.
-Bom dia!- Disse ele.
-Vai dar meia hora de cú felá da puta!- Respondi.
Mentira. Eu não falei isso, mais queria ter dito.
-Bom dia querido!- respondi.
Levantou-me. E eu cambaleando ainda consegui chegar a cadeira mais próxima.
Me recompus e já ia saindo do bar quando seu Plácido gritou,

-Ei rapaz! Num vai pagar não é?!
.
.
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J.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Tirem esses óculos fundo de garrafa!

Que danado essas pessoas pensam sobre personalidade formada?
Será que elas não entendem que ter personalidade formada não é sinônimo de maturidade?!

Não as entendo, se a graça da vida é aceitar novas verdades e enterrar as absolutas como antiquadas, ultrapassadas, ou como verdadeiros clichês, por que esse povo dos trópicos vêem tanta originalidade na mesmice?

Se reinventar a cada segundo, assimilar novas informações e aceitar fatos tão coerentes como realidade é tão simples (isso quando você não vive na década de oitenta e ainda balança uma bandeira que hoje já não pende para esquerda...).

J.
Tristeza

A tristeza não deve ser Degustada em um único gole.
A tristeza deve ser apreciada diariamente, em doses homeopáticas, no mesmo ritmo dos goles de café e com o mesmo prazer que deleitamos a última costela de um pernil ao ponto. Nem seco nem cru.
A tristeza cotidiana... Felizes são os que sabem aproveitá-la com maestria!

Mau do amor, bem do amor
Vai saber...
Viver da tristeza, estupidamente falando, deve ser triste.
Viver sem ela deve ser no mínimo deselegante

Fazer decoro de felicidade é da mesma caretice que trajar vermelho comunista.
É de uma falsidade desmedida...


J.

domingo, 20 de setembro de 2009

Neste tempo de vacas Siliconadas as bichas andam soltas.
É o pastoril da indiscrição!

J.

sábado, 19 de setembro de 2009

Manual da pancada

Toda mulher gosta de apanhar. Os homens é que não sabem a hora exata de bater.

A porrada não deve ser dada com raiva, A porrada é um dos maiores gestos de carinho e deve ser dada com paixão, com desejo ou até por companheirismo.

O que dizer da mulher que não morde?!
Imaginem uma mulher que não morde...
A mulher que não morde é uma mulher fria, Não há amor possível sem mordida! (como rezou Nelson)

O murro, por exemplo (carinho que deve ser trocado somente entre homens), é praticamente um abraço.

Olhe...
Uma tapa bem dada pode salvar um casamento.



J.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Simpatia para acabar com o machismo

Material:12 latinhas de cerveja; 3 sacos de amendoins japonês; 2 carteiras de cigarro; 1 isqueiro; 1 copo americano; 1 recipiente de porte médio; 1 bandeja, de preferência, redonda; 1 poltrona, preta e revestida em couro de búfalo (você acha facilmente em lojas especializadas) ; 1 vitrola e 5 bons discos.

Preparo:
Parte 1:Coloque as latinhas no freezer 5 horas antes. Na hora H, abra uma delas e despeje até o colarinho do copo, abra um dos sacos de amendoim e coloque no recipiente exigido; Pegue uma das carteiras de cigarro e abra cuidadosamente o lacre, não esqueça o isqueiro.

Parte 2:Coloque a cerveja, o amendoim, o cigarro e o isqueiro na bandeja, sente o seu marido na confortável poltrona e sirva-o carinhosamente e repetitivamente até acabar as cervejas e os discos.

*Observações:
1- É importante que a mulher zele pelo cuidado ao servir, de preferência faça alguns treinos.

2- Em alguns casos não será possível realizar a simpatia, pois alguns homens não gostam que suas devidas esposas saiam desacompanhadas na rua, o que dificultará a compra do material pedido. Não se zangue por isto, ame-o mais ainda.

3- É importante lembrar que o material deve ser servido até o fim.

4- Se, por um acaso, ele dormir na poltrona, carregue-o femininamente até seu aconchego, caminho este que deve ser regado de muitos beijos e abraços.

5- Se mesmo assim seu marido continuar com hábitos machistas, persista, repetindo a receita até que o resultado apareça.





J.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A conquista da fêmea

Cada animal tem sua maneira de atrair, obrigar ou implorar o enlace da sacanagem. Embora os métodos sejam distintos, podemos facilmente associar uns aos outros. O peixe beta, por exemplo, com sua calda exuberante faz despertar olhares de interesse das senhoras betas. Os cachorros por outro lado, Cheiram-se os cús, em busca da melhor sorte futura. Já os ratos... Bem... É, eu nunca parei para pensar nisso!

A verdade é que em estudos recentes descobri que todos os segmentos da raça humana têm seu correspondente animal, e hoje quero tornar público o conhecimento de três casos desta correlação,


O Macho-beta: Geralmente, Alto, forte e loiro (se bem que hoje em dia ser loiro não é sinônimo de elegância, mas sim de L’Oreal, Natucor, celofane...) Os machos deste gênero não costumam ornamentar seus ombros com mangas, nem seus pés com sapatos, mas em compensação atraem a atenção das donzelas com lindas camisas coloridas (bem coloridas), bermudas floridas- ou com dragões, caveiras, enfim, qualquer coisa tenebrosa que saliente-lhe o ar de predominância. Sem falar dos encantadores acessórios que adornam seus pescoços, suas cinturas (principalmente as bolsas da cintura) e suas cabeças. Os machos dessa raça também costumam realizar uma dança característica de sua espécie, logo antes do ritual do acasalamento.

O macho-cachorro: Predominância de indivíduos de estatura mediana, cabelos volumosos e, na maioria das vezes, um óculos charmoso que lhe acentua o ar de intelectualidade. Esta família tem como principal arma a comunicação, habilidade adquirida através da alimentação de meia palma de livros por década. Os Cachorros têm como marca registrada uma protuberância arredondada logo abaixo da sua caixa torácica e um pouco acima de seu confidente-mor, como designou divinamente nosso amigo Xico Sá. Protuberância esta adquirida através da ingestão desmedida de líquidos oriundos da fermentação da cerva. Alguns desta espécie se dedicam a atividades nômades, utilizando como meio de transporte seu par de pernas (esses machos podem ser identificados facilmente, diagnostica-se assaduras entre as pernas, ou pela retração do saco escrotal). Outra grande atratividade deste sujeito é a mentira.

O macho-rato: Seres, em sua grande maioria, de baixa estatura, cabelos pretos e baixos e com sardas nos rostos. Usam óculos por necessidade e não tem lá seu charme. A grande arma desse sujeito é a sua fragilidade. Esses são os mais bem sucedidos do gênero. Animal dotado de habilidades psíquicas, assim catalogado pelo fato de despertar pena.


J.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A velha e o velho

Observava fixa e atentamente aquele episódio nada extraordinário,

Um velho rabugento saia de uma mercearia próxima à minha casa. Levava na mão uma dessas sacolas de supermercado e nas costas uns oitenta anos. Já na beira da rua, ou fim da calçada, olhou para os dois lados, para trás e, logo que viu a senhora, atravessou. Preocupação primeira e única.

Reflexão pessoal:
Nunca havia verificado efeitos tão profundos da velhice. Mesmo em minhas avós, tios-avós, bisavós... Sim! Conheci minhas bisavós, mas voltemos à senhora do senhor da mercearia. Foi medonha a pena que senti ao ver aquela, também rabugenta, senhora. Não sabia, e até hoje não sei, se devia sentir-me triste pelo deplorável estado dos dois, o velho também era velho- embora menos que ela- ou se devia admirar o exímio trabalho da velhice. Nunca vira trabalho tão bem acabado, literal e metaforicamente falando.

A senhora de setenta anos, acho eu, e seus magníficos olhos azuis, de um azul realmente vivo (acho que era o único resquício de vida daquele corpo), no meio-fio esperava para atravessar, enquanto o velho já se distanciava uns vinte metros, sem demonstrar a menor preocupação. E eu observava com os ombros encostados numa dessas árvores centenárias próximo ao ponto de ônibus. Dali julgava o velho irresponsável como uma metralhadora de adjetivos. Embora também não fizesse nada pela velha. Não sei se por preguiça ou por uma vontade maior, uma espécie de atração, que me motivava a apenas observar a cena nada incomum, sem interferir no seu desfeche.
Depois do obstáculo rua, vieram os degraus, buracos e rampas daquela calejada calçada. Nesta hora preocupei-me ainda mais, na mesma proporção que aumentava o ódio que sentia pelo velho. Foi tanto que uma hora parou. Parou exatamente quando acabaram as balas da metralhadora. Nesta hora cada buraco era uma parca, cada rampa um pulsar mais forte, meu é claro, mas a velha seguia firme, embora lenta e perigosamente. A cada obstáculo vencido, um sentimento de alívio.
Agora já não odiava mais o velho, mas sentia pena. Sentia pena, por que imaginei o mal maior. Imaginei a morte da velha. Sentia pena do velho só por imaginar o tamanho do remorso que ele sentiria. Não há sentimento pior, e por isso agora odiava a velha. Sim, é isso mesmo. Eu a odiava.

O velho continuou seguindo o seu destino, sempre na frente da velha, até entrar em sua residência, uma casa de azulejos rosados a poucos metros da mercearia. A senhora, porém, ainda não havia chegado ao seu destino. Continuou caminhando sem interrupções, embora com a vagarosidade dos anos, mas com os pés sempre firmes. Mas eu não confiava muito naqueles pés, não sei o porquê, mas não confiava. E foi aí que percebi que a raiva que eu sentia não era do velho, muito menos da velha, mas era daqueles pés. Eu detestava os pés daquela velha. Eram eles os culpados pelo pender da velha, pelo possível remorso do velho e por toda minha preocupação. Eu, definitivamente, odiava os pés daquela velha.

A velha, apesar de todas as minhas inquietações e, talvez, com uma expectativa doentia de tragédia, seguiu firme, atravessando todos os obstáculos urbanos, até entrar novamente em sua residência, sem que nada acontecesse.


J.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Diário da segunda feira

Desculpe-me Manoel, mas morre-se três vezes. Uma na carne, uma no nome e outra na segunda feira, esta vadia sanguessuga que vem após um domingo de cestas do cão*.
Do cão: expressão dúbia, na maioria das vezes, significa “do diabo”; em recife, única e exclusivamente, pode ser substituída por “caralho”.

Ontem, voltando de Setúbal, com minha prima Ana Flávia, que Deus a pague em dobro este gesto de bondade, guiando o automóvel de meu pai (que estava dormindo no banco do co-piloto), ao vermos uma placa que explicava: “Proibido virar a esquerda em dias úteis das 07:00 às 20:00” , logo ali, na avenida Agamenon, pegando a esquerda “como quem vai” (adoro essa expressão) para a praça do entroncamento, ou para uma das psicodélicas festas do clube Português, que iniciei meu conflito pessoal,
Segunda é um dia útil?
Para todo efeito, pegamos a esquerda, afinal, ontem foi domingo. Pegamos a esquerda, seguimos pela Av. Conselheiro Rosa e Silva até encontrarmos a casa de Maria da Penha, neste dia só habitava Lúcia Rosa da Silva, que combina com Rosa e silva.
Mais tarde me telefonaram e fui para no camelódromo, guiando dois italianos até o pátio de São Pedro (huauahuuhuauhuha), Confesso que estava com vontade de ir. De lá para o Hermilo, do Hermilo pra o Cais e do Cais para casa. Mas foi- não sei exatamente onde- neste trajeto que percebi que o pior da segunda não é a segunda, e sim sua expectativa, em miúdos, o domingo.


J.

domingo, 13 de setembro de 2009

Achava graça em tudo que era profano...
Achava graça em tudo que era sacro...
Eu amava de mais
Eu tinha raiva de mais
Eu ria muito
Eu chorava pouco
Eu sentia tudo

Achava Graça em tudo que era profano...
Achava Graça em tudo que era sacro...
Eu amava de mais
Eu tinha raiva de mais
Eu ria muito
Eu chorava pouco
Eu sentia tudo

J.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O Sargaço no mar


Silencioso, salgado e cínico
O sargaço no mar

Impiedoso, inconveniente e ingrato
O sargaço no mar

Levas meu medo, minha frustração e meu desencanto
Se possível, sargaço, pro outro lado, no mar.

Lembro do medo que ele me punha
Quando menor,

- Mamãe! Mamãe!
Uma tartaruga! Uma aranha!
Um bicho! Um monstro!-

Hoje maior,
Vi que tu, mamãe, tinhas razão
Era só o sargaço no mar.



J.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Estetoscópio



tuff!
.
tuff! tuff!
tuff! tuff!
.
tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff!
.
tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff!
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tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
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tuff! tuff! tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
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terça-feira, 1 de setembro de 2009

O apartamento ao meu lado

Quando meu vizinho se mudou, foi um susto. Ninguém esperava, nem soubemos o seu destino?!
Depois de alguns anos em desuso, novas pessoas o habitam.

Vejo tudo do olho mágico

Chegam artistas, médicos, pedreiros, bicheiros, funcionários públicos... Principalmente artistas. Eles chegam a qualquer hora. Só chegam.

Não sei o que há lá dentro. Vejo tudo do olho mágico.

Chegam crianças, velhos, mulheres, mulheres velhas e artistas. Só chegam.

Vejo tudo do olho mágico.

Foi quando, para minha satisfação, colocaram uma porta de vidro que dei fim a minha curiosidade. O apartamento ao meu lado se transformara numa longa sala de espera.
Onde todos são pessoas e, por incrível (talvez inaceitável- ou brega mesmo-) que pareça, são todos iguais.

Vejo tudo do olho mágico.

Ao fundo da sala vejo um balcão, e por detrás dele uma parede amarela, onde ficam pendurados os chicotes, que o balconista faz questão de mantê-los em uso. Ao lado de cada fileira de cadeira, uma mesinha com revistas antigas e jornais do dia.

Vejo tudo do olho mágico.

Os que chegam, esperam e são chamados, entram por uma porta vermelha. Uma porta redonda e vermelha.
Quando a porta abre podemos ouvir, mesmo de longe, gargalhadas infindas. Estão todos felizes.
Ninguém volta, não sei o que há por detrás daquela porta.

Vejo tudo do olho mágico, o corredor iluminado e o apartamento. Ao meu lado.
J.