quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Marias

Incisivos
Caninos
Molares

Abaixem as bandeiras
Que amo

Teu sorriso largo de problema algum
Egoistamente

J.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Coca-cola com gás
Chuva que não bate em mim
Um boteco chinfrim
Um médico quando jaz

Café sem açúcar
Um problema miúdo
Um verbo no futuro
Coisa pra fazer depois
Comida sem arroz
Cachaça e sinuca

Morena despida
Sorvete de tamarindo
Sal na comida
Um chato saindo

Um numero impar
Ou um par mais um
Noite sem rum
Um cinzeiro bonito
Um copo americano
Um garçom amigo
Cozinheiro italiano

Pernil de porco
Com molho de abacaxi
Farofa de banana
Purê quente
Uma tragédia pra rir
Uma cesta conseqüente

Cachorro mudo
Gato morto
Bandido preso
Um amigo escroto

Final de missa
Inicio de festa
Meio amargo
Matar formiga
Comida de quaresma

Quadro de giz
Machado da Assis
Coisa estranha
Teia de aranha
Poeira de coisa antiga
Ver sangue em briga
Urinar em arvores
Um real de pão
Barbeiro eficiente
Uma freira bem quente
Um padre a sete palmos do chão

Um fato esquisito
Apreciar o teu sorriso
Morrer nos teus braços
Tua pele
Teu cansaço

Tudo isso é coisa que eu espero
Mas nunca se tem o que se quer
Serei feliz se ao menos
Puder ouvir um bom bolero
E ter você como mulher

J.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eu, o copo

Prendia-me doentiamente aquele copo, pousado sobre aquela mesa. E sabia que nela só restaria daquele copo, depois que a mão negra e molhada de água e espuma o levasse, a marca d’água na toalha chinfrim.

Aprendi mais com aquele insigne episódio do que com a minha vida. Comparei-me ao copo e vi meu destino. Só a marca d’água, só resquícios que secam com o tempo, depois disso, só as memórias amareladas de poucos ou o epitáfio.

Sou como ele. Enquanto cheio sugado pela boca, que a posso chamar de vida.
Depois de vazio... Não interessa mais.

J. (os ouvidos da parede)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Quero a alegria dos primeiros andares,
Mas elevadores também me confortam

Quero o consolo das moças viúvas,
Apesar dos vivos não me darem trabalho

Quero a eficiência dos homeopáticos,
Por que odeio dormanid

Quero a prudência dos cardíacos,
Embora os diabéticos também me pareçam preocupados

Quero a paciência dos obesos,
Mas estou bem com o minha

Quero a fidelidade dos asmáticos,
Por que não me contento com a pura verdade

Quero a obediência do remorso maternal,
Mas todos meus amigos moram no último andar



J. (os ouvidos da parede)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Balões e estrelas

Balões e estrelas
Te convidam para voar
E você responde,
Toda sem jeito,
Que não quer voar

Balões e estrelas
Te convidam para voar
E você responde,
Toda sem jeito,
Só com o olhar

Balões e estrelas
Não te convidam mais para voar
Por que voar já não tem mais graça
Quando não se compreende um olhar
Balões no chão
Estrelas desfeitas
A festa se acaba
O céu se apaga
E um preto sórdido
Veste o meu corpo.

J.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Conto novo!

O vendedor de cata-ventos

Por lá ia eu. Aquela rua centenária, aquelas casas centenárias e aquelas pessoas centenárias.
Lembro-me como se fosse ontem, uma rua estreita de casas antigas, uma rua colorida, chamada nostalgia. Uma das ruas mais lindas daquela cidade, com as pessoas mais esquisitas daquela cidade.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

Doutor Jarbas disse que a cicatrização não demoraria, mas já faz uma semana...
Eu sabia que ele não era de confiança, aliás, nenhum médico é de confiança.
Disse-me também, antes de pegar o bisturi elétrico, que não doeria.
Se eu soubesse que a anestesia doía tanto assim, teria feito sem ela.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

Não caí. Graças à Nossa Senhora Protetora dos que não olham para o chão.
Rezo todos os dias.

Passou a 315, a 285, a 277...
Parei na 115, casa escabrosa.
De um vermelho desbotado e velho, não combinava com a rua e, apesar de também ser uma construção de idade elevada, nada se comparava às outras.
A casa não tinha muitos adornos, era reta e sem janelas. Não havia degraus, não havia grade e não havia nada. A porta, entreaberta, era uma tabua sem cor. Não havia um azulejo, até por que era vermelha.

Meu pé, naquela hora, inchado, obrigou-me a sentar no batente em frente da casa.
Ah! Que pena senti quando descobri que havia esquecido meu conhaque...

A vida já está me pesando nos ombros, a vida e a carroça. Lembrei-me do mito da caverna. Também, como não haveria de pesar a minha carroça? Não existem mais crianças, estão todos velhos, estão todos cansados e com sono. Platão é um idiota, como pode explicar o mundo?! As crianças de hoje estão dormindo. Se Platão entendesse que não adianta saber um pouco de tudo... Não se fazem mais crianças como antigamente. Eu, por exemplo, prefiro compreender tudo, sobre quase nada. Se bem que eu acho que ele não entenderia, afinal, ele só entende um pouco. De quase tudo.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

J.

domingo, 4 de outubro de 2009

Último pedido

Um por um caíam os sonhos e o balde, quase cheio, cantava-me as dores.
A fumaça do meu companheiro, único, pintava no ar o retrato de minha idade.
Tudo vai.
Vão-se os amores
Vão-se os reinados
Vão-se as alegrias
Vão-se os pudores
Vai tudo.
Para um jardim murcho, além das fronteiras das minhas mãos.
-Até você saudade?!-
-Vá também!-
Vai-se tudo, amigo.

Deixem-me só o cigarro, com sua solidão.


J.