quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Filho de Paudalho

01
Filho de Paudalho, antiga zona-da-mata Pernambucana, e de José Maria Brasileiro, Maximino Leopoldino Brasileiro (38 anos) detesta sua mãe. Não pelos castigos de sua infância- que eram aplicados severamente a mando de Dona Saudade- tampouco pelo seu cheiro nauseante de manhã. O que Maximino não suporta em sua mãe é a ausência de um doador e suas sessões intermináveis de hemodiálise, que o obriga a voltar a “Pau-de-alho” a cada dois dias e a comer a terrível manteiga sem sal de tampa roxa nas manhãs de suas visitas.

Filho único, loiro e de olhos verdes. Coitado... É feio. Mas também, nunca me coube a idéia de um veterinário bonito, portanto, acho que o ofício caiu bem a feiúra e a feiúra respondeu muito bem ao ofício. Após três anos de cosmopolitismo, suas orelhas nelsongonçalveanas não mais acham graça no silêncio do fim do mundo, embora, nas folgas de Batira (que lhe obriga a almoçar enlatados) sente falta do arroz branco e do peito de frango sem sal preparados pela safadinha que pulou a cerca aos dezenove anos e que, vez por outra, lhe surpreendia com pedidos desagradáveis, valendo-se do remorso maternal.

Seus um metro e oitenta e três centímetros relutam para não lembrar de Cynthya, ou melhor, “Daquela-que-fora-Cynthya” (como disse o nosso querido e chulo D. H. Lawrence). Eu também não me esqueço, aliás, quem poderá esquecer “Daquela-que-fora-Cynthya”?!


02
Rapaz é assassinado a tiros em Cajueiro seco, o criminoso está foragido!
Segundo a polícia, o crime ocorreu na tarde da última quinta feira, perto do campo de futebol do bairro; vítima e assassino teriam se desentendido. O crime ocorreu por volta das 17h, na rua Logo Ali, o sujeito fugiu logo em seguida.
De acordo com a polícia, João Edson de Oliveira Peixoto, 22 anos, teria uma desavença com o meliante. Eles teriam brigado na última tarde e o criminoso teria disparado contra João Edson, que morreu no local. A polícia diz que não vai medir esforços para prender o desalmado que matou o filho da costureira Maria Helena da Conceição. Alguns suspeitos já foram cogita...


Desligou o rádio às pressas, arrumou seus trapos numa mala velha e saiu para visitar a mãe, desta vez, com muita vontade de visitá-la.



J.

A flor amarela

Aparição
Depois da desaparição, seu olhar e seu vagar não foram mais os mesmos. Desde então as quatro paredes de seu escritório ganharam um prisioneiro. As idéias iam ao mundo, seu corpo não ia além de alguns metros. Todos os seus traços humanos sumiram.
Seus olhos fundos, sempre rasos de lágrimas, novamente pousados sobre uma caixa de música (herança materna) daquela vez haviam se erguido.

Foi Esmeralda. A mente de Arnápio vagou da infidelidade à paternidade em um intervalo metafisicamente impossível. Embora sua alma gritasse quase em transe, o seu fúnebre corpo não conseguiu reagir a tamanho susto. Esmeralda aproximou-se, olhando fixamente o rosto que também descansava sobre o seu. Alguns intensos segundos se consumiram até que ela tirou do longo cabelo cacheado- herança latina- uma flor amarela, uma orquídea, e colocou na palma da mão de Arnápio. Pressionou, fechando a mão do homem contra a flor. Encostou sua testa na dele, sorriu inocente e deixou cair a lágrima única sobre o colo de Afonso, Arnápio Afonso Ribeiro, chamava-se assim.
Deixou-o sentado com a flor sobre a mesa e saiu sem dizer uma única palavra e, quase flutuando, sumiu. Foi esse o motivo que fez Arnápio passar quase três dias estático, sem nenhuma reação. Não dormiu, não comeu e muito menos se moveu. O acontecido perturbou a alma dele tão intensamente que queimou todos os seus pensamentos em uma derradeira e longa tragada.

A casa da família Ribeiro
Uma casa enorme e robusta, a arquitetura gótica revelava a sua idade medieval.
As abobadas iluminadas e as cores claras da casa sempre estiveram em perfeita harmonia com o colossal jardim colorido.
O que na verdade não condizia com a figura cadavérica que se tornara o seu dono, mas posso facilmente explicar esta contradição. Um dos trinta criados da casa chamava-se Colombo, filho de um antigo criado da família Ribeiro, era como um irmão para Arnápio. Depois que Esmeralda se foi, Colombo ficou encarregado de manter a casa em órbita, pois o dono não mais tinha ânimo para se atarefar com nada.

A descoberta
Há exatos três anos habitavam a casa da família Ribeiro, Arnápio, Esmeralda (a sua mulher) e seu suposto filho único, Felipe Rodrigues, sobrenome da mãe.
A casa sempre era visitada por um amigo íntimo da família, chamado Jacinto Castro, primo de terceiro grau de Esmeralda. Os três passavam as tardes dos sábados conversando e bebendo, mas o que o patriarca não sabia e que esta visita também comparecia nas sextas pela manhã.
Mas, como quase toda farsa, um dia veio à tona. E não poderia ter outro fim, afinal, numa casa com trinta criados não cabíamos esperar outro desfecho.
Colombo, amigo próximo, até conseguiu suportar em segredo as traições de sua patroa, mas quando soube que Felipe era um Castro, vomitou toda a trama ao seu irmão.
Na verdade eu, apesar de minha pouca idade, já esperava tal acontecimento, afinal, embora nutrisse intensa paixão por esmeralda, Arnápio vivia enfurnado na mesa de seu escritório. Amava Esmeralda como não havia amado ninguém, amava Esmeralda como nunca amara seu filho, ouso dizer. Mas só amava aos sábados, e Esmeralda adorava as sextas.

Arnápio mantinha uma fábrica de doces, aberta por seu avô, há mais de oitenta anos. Vivia em função disso. Mas Esmeralda gostava mesmo é de flores, todos os dias, antes de dormir, ele precisava ouvi-la se queixar, “por que você não vende flores? Melhor! Por que você não vende orquídeas?!”, e ele sempre com o mesmo adágio cafona, “Cada macaco no seu galho, cada macaco no seu galho, querida (fazia questão de falar duas vezes). Não sabíamos ao certo o motivo de sua paixão incontrolável pelas orquídeas, nem eu nem meu pai, que já trabalha pra família ha anos.
Quando a barca virou, quando o parto foi pago, quando o dilúvio caiu, eu não vi, mas pisei na lama. Os pormenores desta história, não poderei contar-lhes. Mas posso inventar. Sendo assim, mudem os seus olhos, agora sou um falsário!

Após a aparição e os três dias de morte, Arnápio despertou de sua transe. A flor amarela, caída no chão, já não era mais amarela. Ficara preta. Como se houvesse acordado de uma dessas manhãs que ninguém gosta de acordar, passou a mão no rosto numa tentativa inútil de afastar a dormência (vocês já perceberam o quanto é relevante passar a mão no rosto ao acordar? Certamente, mas ainda fazem isso com devoção não é?). Foi aí que a ficha caiu. Não. A ligação não acabou, se é o que pensas. Estou falando da ficha da realidade, esta fim-de-festa. Sua barba (antes feita) agora estava quase em seu joelho. Eu sei, é um pouco exagerado para três dias, mas não seria “descolado” (como fala uma amiga) e nem um pouco macabro. Uma coisa meio Poe, entende?
Voltando. Quando a ficha caiu, ele colocou outra. Quando percebeu que não percebia nada, entrou novamente em transe. Foram precisos mais três dias para que ele, enfim, acordasse.

Despertar
Quando as pálpebras se abrem, nem sempre o escuro se fecha. Mas não falo de um escuro preto, mas sim de um escuro castanho e encaracolado que cobria sua visão. Desajeitado- ou desesperado, não sei- tentou tatear sobre a mesa seus óculos, ao mesmo tempo em que afastava os cabelos da sobrancelha para que pudesse enxergar a mesa. Assim que o encontrou e pôs na cara, se ajoelhou sobre o chão e sua barba!

-Ahhhhh!-

Suas cordas vocais voltaram a funcionar. Os fios da barba são como farpas encravadas em polegares. É sempre doloroso arrancá-los. Com o grito, que segundo meus critérios, não fora nada baixo, atraiu a atenção de vários funcionários que ali trabalhavam. Foi assim que se encerrou a clausura do nosso amigo. Encontraram Arnápio deitado no chão, com a flor que já fora amarela em sua mão. Mas o que eles nunca puderam observar, é que as suas sobrancelhas cobriram os seus olhos, e estes choravam. Não choravam por tristeza. Não pranteavam por medo. Carpiam-se, eu acho, por não ter mais o que fazer. Dois olhos emancipados, dois olhos tristes e encobertos. Dali fora arrastado até seus aposentos, aonde foi feita a assepsia do corpo derrotado de Arnápio Afonso.

Dias seguintes
Nada de incomum foi notado nos dias que se sucederam (o que já é um fato incomum). Saia, rigorosamente, às sete da manhã, trabalhava com a mesma religiosidade de sempre, ou melhor, com a mesma religiosidade que mantinha quando também mantinha sua cara-metade, sua farofa de banana, sua cedrát da manhã, uma besta-fera não manifesta.
Derradeiro e esperado
Na manhã da segunda 14, ninguém percebeu que o vulto que sempre abandonava a casa às sete da manhã, desta vez não passara. Ninguém percebera também, que o banheiro do corredor estava intacto (Arnápio sempre o usava, pois odiava suítes). Não perceberam por que talvez não fossem pagos para perceber nada.

Mas eram pagos para forrar a cama.

A cama que também estava intacta.

Meu irmão Arnápio, fugiu de casa há exatos 10 anos. Fugiu nu e isso me incomoda.
A flor que fora amarela, nunca mais a vi.
Mau pai, ainda cuida do jardim.


J.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Quando Dorotéia voou

Quando o primeiro homem foi ao espaço, não viu Deus.
Quando Dorotéia voou, também não.

1º andar: Eu fazendo o bolo e ele comendo...
2º andar: Eu suando e ele também...
3º andar: Eu fazendo coxinha e ele lambendo...
4º andar: Eu abrindo o leite e ele mamando...
5º andar: Eu me fodendo e ele fodendo...
6º andar: Eu calada e ele gemendo...
7º andar: Eu sem nada e ele gemendo...
8º andar: Eu escrava, ela também...
9º andar: Eu-panela, ele nela...
10º andar: Ela nele, panela-eu...
11º andar: Eu gritei, ele gemeu...
12º andar: Eu subindo e ele gemendo...
13º andar: Eu morrendo e ele gemendo...
14º andar: Será que dói morrer?!
15º andar: Ele vai morrer de remorso!

Quando o primeiro homem foi ao espaço, não viu Deus.
Quando Dorotéia voou, também não.

J.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Coisas só dos homens

Levanto cedo,
Tento andar.
Meus olhos estão pesadíssimos
E não me deixam andar

Na boca
O gosto ruim de ontem

Na cabeça
Coisas da cabeça

Na alma
Coisas das moças.


J.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Marias

Incisivos
Caninos
Molares

Abaixem as bandeiras
Que amo

Teu sorriso largo de problema algum
Egoistamente

J.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Coca-cola com gás
Chuva que não bate em mim
Um boteco chinfrim
Um médico quando jaz

Café sem açúcar
Um problema miúdo
Um verbo no futuro
Coisa pra fazer depois
Comida sem arroz
Cachaça e sinuca

Morena despida
Sorvete de tamarindo
Sal na comida
Um chato saindo

Um numero impar
Ou um par mais um
Noite sem rum
Um cinzeiro bonito
Um copo americano
Um garçom amigo
Cozinheiro italiano

Pernil de porco
Com molho de abacaxi
Farofa de banana
Purê quente
Uma tragédia pra rir
Uma cesta conseqüente

Cachorro mudo
Gato morto
Bandido preso
Um amigo escroto

Final de missa
Inicio de festa
Meio amargo
Matar formiga
Comida de quaresma

Quadro de giz
Machado da Assis
Coisa estranha
Teia de aranha
Poeira de coisa antiga
Ver sangue em briga
Urinar em arvores
Um real de pão
Barbeiro eficiente
Uma freira bem quente
Um padre a sete palmos do chão

Um fato esquisito
Apreciar o teu sorriso
Morrer nos teus braços
Tua pele
Teu cansaço

Tudo isso é coisa que eu espero
Mas nunca se tem o que se quer
Serei feliz se ao menos
Puder ouvir um bom bolero
E ter você como mulher

J.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Eu, o copo

Prendia-me doentiamente aquele copo, pousado sobre aquela mesa. E sabia que nela só restaria daquele copo, depois que a mão negra e molhada de água e espuma o levasse, a marca d’água na toalha chinfrim.

Aprendi mais com aquele insigne episódio do que com a minha vida. Comparei-me ao copo e vi meu destino. Só a marca d’água, só resquícios que secam com o tempo, depois disso, só as memórias amareladas de poucos ou o epitáfio.

Sou como ele. Enquanto cheio sugado pela boca, que a posso chamar de vida.
Depois de vazio... Não interessa mais.

J. (os ouvidos da parede)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Quero a alegria dos primeiros andares,
Mas elevadores também me confortam

Quero o consolo das moças viúvas,
Apesar dos vivos não me darem trabalho

Quero a eficiência dos homeopáticos,
Por que odeio dormanid

Quero a prudência dos cardíacos,
Embora os diabéticos também me pareçam preocupados

Quero a paciência dos obesos,
Mas estou bem com o minha

Quero a fidelidade dos asmáticos,
Por que não me contento com a pura verdade

Quero a obediência do remorso maternal,
Mas todos meus amigos moram no último andar



J. (os ouvidos da parede)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Balões e estrelas

Balões e estrelas
Te convidam para voar
E você responde,
Toda sem jeito,
Que não quer voar

Balões e estrelas
Te convidam para voar
E você responde,
Toda sem jeito,
Só com o olhar

Balões e estrelas
Não te convidam mais para voar
Por que voar já não tem mais graça
Quando não se compreende um olhar
Balões no chão
Estrelas desfeitas
A festa se acaba
O céu se apaga
E um preto sórdido
Veste o meu corpo.

J.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Conto novo!

O vendedor de cata-ventos

Por lá ia eu. Aquela rua centenária, aquelas casas centenárias e aquelas pessoas centenárias.
Lembro-me como se fosse ontem, uma rua estreita de casas antigas, uma rua colorida, chamada nostalgia. Uma das ruas mais lindas daquela cidade, com as pessoas mais esquisitas daquela cidade.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

Doutor Jarbas disse que a cicatrização não demoraria, mas já faz uma semana...
Eu sabia que ele não era de confiança, aliás, nenhum médico é de confiança.
Disse-me também, antes de pegar o bisturi elétrico, que não doeria.
Se eu soubesse que a anestesia doía tanto assim, teria feito sem ela.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

Não caí. Graças à Nossa Senhora Protetora dos que não olham para o chão.
Rezo todos os dias.

Passou a 315, a 285, a 277...
Parei na 115, casa escabrosa.
De um vermelho desbotado e velho, não combinava com a rua e, apesar de também ser uma construção de idade elevada, nada se comparava às outras.
A casa não tinha muitos adornos, era reta e sem janelas. Não havia degraus, não havia grade e não havia nada. A porta, entreaberta, era uma tabua sem cor. Não havia um azulejo, até por que era vermelha.

Meu pé, naquela hora, inchado, obrigou-me a sentar no batente em frente da casa.
Ah! Que pena senti quando descobri que havia esquecido meu conhaque...

A vida já está me pesando nos ombros, a vida e a carroça. Lembrei-me do mito da caverna. Também, como não haveria de pesar a minha carroça? Não existem mais crianças, estão todos velhos, estão todos cansados e com sono. Platão é um idiota, como pode explicar o mundo?! As crianças de hoje estão dormindo. Se Platão entendesse que não adianta saber um pouco de tudo... Não se fazem mais crianças como antigamente. Eu, por exemplo, prefiro compreender tudo, sobre quase nada. Se bem que eu acho que ele não entenderia, afinal, ele só entende um pouco. De quase tudo.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

J.

domingo, 4 de outubro de 2009

Último pedido

Um por um caíam os sonhos e o balde, quase cheio, cantava-me as dores.
A fumaça do meu companheiro, único, pintava no ar o retrato de minha idade.
Tudo vai.
Vão-se os amores
Vão-se os reinados
Vão-se as alegrias
Vão-se os pudores
Vai tudo.
Para um jardim murcho, além das fronteiras das minhas mãos.
-Até você saudade?!-
-Vá também!-
Vai-se tudo, amigo.

Deixem-me só o cigarro, com sua solidão.


J.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Mais um conto, bem antigo e imaturo.

Relato de Abílio

Introdução
Esta pode parecer uma história feliz, mas não te enganes. Renato foi feliz uma única vez. Na hora da morte. Sua vida não passou de uma mentira e sua morte foi mais uma. Por que Renato não morreu, pra falar a verdade, acho que nem viveu. Sua história se resume a uma única aventura de amor, ou melhor, de mentira.Morreu aos 23 anos, por ele teria sido antes. Morreu em casa, só. Tu deves estar se perguntando como eu sei de tudo isso? Fui o seu único e verdadeiro amigo, mas na hora de sua morte não pude estar presente, pois fui mais apressado que ele.No dia 02 de agosto a cortina vermelha desceu para o vão que foi a vida de Renato Lágrima, que trazia a tristeza em seu nome. Quando as luzes apagaram a única coisa que se ouviu foi o silêncio dos olhos pasmos. Morreu assim, sem palmas, como se a ribalta não o alcançasse, como se não fizesse parte do espetáculo.

Nº 28
Lembro-me da ultima vez que o vi. Éramos jovens e vivíamos no mesmo quarto de numero 28, no orfanato “Colinho de painho”. Não me lembro com detalhes da nossa conversa, mas, se não me engano, era algo sobre comunicabilidade. E ainda nesta noite, já enrolado no lençol, ouvi ele me balbuciar um “Obrigado Abílio!”.E apesar de não entender muito bem, respondi-lhe, - Por nada Renato!-No outro dia não acordei. E só assim pude entender o seu obrigado, percebi que, além do cigarro, era eu a sua única companhia. Deixei Lágrima no dia 17 de agosto, estávamos com 17 anos.Soube que um ano após a minha morte Renato mudou-se para Rua Santa Cruz, que hoje se chama Rua Doutor Ricardo Borges Pinto, no bairro Caixa D’água.
_
Sonhos
Todo dia, após o almoço, subíamos para o quarto e, antes da sesta, compartilhávamos sonhos. Numa destas prosas contou-me Renato sua mais intima aspiração, que me pareceu simples, mas em se tratando de Lágrima, não é de fácil entendimento, por isso não vou contar-lhe o contado, não é necessário que eu encha a tua cabeça neste momento. Não fique curioso, quem sabe em momento mais oportuno eu revele? O que é preciso que entendas neste momento é que ele me contou uma de suas intimidades e iste era o primeiro sinal de confiança que ele depositou-me, não sem antes fazer-me jurar segredo. Nunca havia dito desejos tão pessoais, pelo menos a mim. Entendes agora o motivo do meu espanto?Descemos juntos, ainda no mesmo dia, para jantar. Renato com sua roupa de sábado, eu com meu traje de sempre. Ah! E eu quase ia me esquecendo, Renato tinha uma perna menor que a outra, a direita, e por isso usava uma bengala de Jacarandá que ganhara de Enéas, no natal passado. “Não é só uma bengala! É uma companheira de grande estilo!”, disse Enéas ao entregar-lhe o presente. Deste dia em diante não largou mais a vareta.Sentamos no mesmo local de sempre, longe dos meninos e longe das meninas, comemos a mesma comida de sempre e voltamos no mesmo horário de sempre. Lembro-me perfeitamente da afobação que eu sentia ao chegar perto dos meninos, não que com as meninas fosse diferente, mas, claramente, não chegava aos pés... Não sabia o motivo, mas também sempre procurava fugir do assunto e falar de política, futebol, religião, enfim, qualquer outra coisa.

Ateus
Relendo o capítulo anterior, lembrei-me de certa ocasião em que Renato falou-me que não confiava nos padres e, muito menos, nos papas. “Não acredito nesses carecas! Só falam, falam e falam, mas sair do canto que é bom, nada!”. Afirmava com tanta veemência que fez-me perceber suas insatisfações religiosas. Não o julgue pelo que lês, acho que, em certos pontos, eu também concordava, mas tinha medo. Hoje, analisando os fatos passados, cheguei a uma conclusão:
Éramos ateus (que coisa sem graça...).

Alcova
Recordo-me das visitas em minha alcova no dia do meu falecimento, não eram muitas, mas eram verdadeiras. Estavam presente Renato, Enéas, Alves, Berenice e mãe Jurema. Ninguém chorava, mas não me incomodei, afinal, eu também não costumava chorar em enterros. Do lado de fora do quarto havia dois ou três meninos espiando pela fechadura. Hoje os agradeço por estarem ali, pois me deram outro capítulo.

Meninos
Dias após a minha morte os meninos inventaram motivos para ela. Alguns dizem que morri sufocado, outros dizem que de pecado, mais o que mais me incomodou, e unanimemente aceito por todos, foi o da moléstia. Da onde contraíra a tal moléstia?!Surgiram várias explicações, alguns diziam que peguei da comida de dona Ziza, a senhora da cantina, tese fundada em minhas freqüentes visitas a Mágno, filho da senhora, que servia-me de Companhia nos sábados em que Renato saía para visitar seu tio Tenório. Dona Ziza não tinha uma das mãos. Outros diziam que peguei a moléstia da perna de Renato, diziam os meninos que a perna dele tinha vida própria e que quando ela quisesse sairia do seu corpo a procurar outra que lhe combinasse o tamanho e juntas sairiam por aí chutando as bundas dos cegos.Eu acreditava em parte, mas não achava que ela procuraria um par e também não acreditava que ela passasse moléstia para outros.É importante ressaltar que este foi um dos motivos que contribuíram para a saída de Renato, após completar a maior idade.

A despedida
Um ano e dois meses após minha morte, Renato foi morar no bairro da Caixa d’água. Sua despedida não foi calorosa nem fria, poucos amigos e pouca comoção.Levara apenas um par de roupas, sua bengala, e o dinheiro que lhe deixei. Seu tio lhe comprara uma casa, não era lá essas coisas, mas dava para sobreviver. Situada ao lado de uma pensão, a casa tinha lá seu charme. Arrumara a casa a seu modo, ainda lhe faltava muita coisa, mas havia de comprar assim que começasse a trabalhar no escritório do tio. Seus novos visinhos doaram-lhe alguns trapos velhos que serviriam para diminuir o oco da casa enquanto não providenciasse móveis novos. Trocaram cumprimentos, boas vindas e nomes, apesar de não lembrar muito bem dos nomes, Renato não se esquecera de Emiliana. Desta, falo outrora, convém apresentar-lhes Tenório.
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Tenório
Irmão de Eusébia, mãe de Lágrima. Sentia-se na obrigação de dar um futuro para o pobre órfão. Não tirara antes do orfanato por motivos burocráticos, vou-lhes explicar em outra oportunidade. Os seus cinqüenta anos já se afastaram muito e por isso não perderia a oportunidade de arrumar um nome para os seus testamentos. Apesar da aparência não me parecia mal sujeito, chegou até a enviar-me doces. A única coisa que me incomodava era o fato de ele ser solteiro. Como pode um homem de certa idade ser solteiro?
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Agora sim, Emiliana
Dentre todos vizinhos só enxergara a enteada de dona Lúcia. A dona de olhos pretos. Era uma boa moça, Emiliana. Lavava, passava, cozia e tudo mais. “É uma santa!”. Exclamava Dona Lúcia. E de fato tinha razão.
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Paixão à segunda vista
De primeira nem tanto, mas de segunda...Apaixonou-se perdidamente por aquela moçoila. A primeira vez é inesquecível. Lembrei-me da minha, apaixonara-se certa vez vês por um moço do quarto 16, apesar de nunca ter dirigido o meu olhar ao seu, sabia que não havia fundamento.O mesmo não aconteceu ao Renato, dizem as más línguas que até beijos foram trocados.
Não acredito muito.
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O fim
Dois anos mais tarde Emiliana mudou-se para Santa Lucia, deixando meu amigo. Ainda penou durante uns três anos antes que o enfarto o encontrasse.
J.

domingo, 27 de setembro de 2009

Cambitos

Logo que me vejo andando penso,
Lá vai o balde amargo de sentimentos.

Gosto de andar ao entardecer...
As pessoas dessa hora são poucas, feias e engraçadas

Ao encontrar um sujeito gordo e conhecido,
Logo ouvi gritar, do primeiro capítulo do casamento, uma frase que me apodrece,

- Todo magro é canalha! –

Enraivecido, apanhei o primeiro transporte que me veio à vista e vim parar aqui.
E agora, olhando o espelho e minhas pernas, sinto angustia e raiva do meu pai.

J.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Mais um conto (fresquinho)


O homem de preto

Bendita conta!
Toda sexta-feira ele chega de mansinho e toca delicadamente o meu ombro.
É o carinho, antes da tapa; A faísca, antes da explosão; A curva que a bola faz antes de bater na trave e correr para a linha de fundo. Mostra-me, num misto de sutileza e perversão, a pasta preta, aparentemente muito inocente, abro-a. É quando a noite acaba. Ela vem com o homem de preto, se acomoda em minhas palmas e leva-me tudo.
Bendita conta!
Pesadelo dos bêbados, das putas, dos viciados, dos vagabundos, dos pais, das mães, dos ladrões, dos evangélicos... Ou seja, do povo.
Carnaval e conta são as duas únicas coisas que são feitas pelo povo e para o povo.

Última sexta-feira
Eu não sei a quem odeio mais, se é o homem ou a pasta.
Combinemos que os dois são inconvenientes, mas não posso ficar “em cima do muro”. Escolho o homem, afinal, detesto ver aquele sorriso cínico e aquela educação do ofício, sem levar em consideração o seu traje fúnebre. Nesta última sexta ele estava com a gravata vermelha, não a suporto.
Serviu-me bem, tirando o fato da segunda cerveja, veio quente, mas foi rapidamente substituída. Não posso lhe negar o elogio da eficiência. Guiava a bandeja com maestria, aquela coisa redonda e brilhante, alegria da mesa, era conduzida por um experiente, porém maquiavélico, garçom. Era como um bom jogador desleal, que sempre usa uma camisa com numero impar.
Estava eu na mesa com mais dois amigos, o Rosa e o Daniel.
O Rosa era amigo antigo, conheci quando ainda morava na casa dos meus pais, e Daniel conheci um dia antes, na quinta, numa dessas peladas de velhos.

“Sobre a mesa” e “Descrição”
Sobre a mesa, além da toalha xadrez, de bom gosto, estavam acomodados dois copos americanos de cerveja, uma taça de alguma bebida doce que o Rosa pediu (provavelmente uma dessas bebidas que são feitas para as mulheres), uma carteira de cigarros e o cinzeiro companheiro. Além dos meus cotovelos e de uma mosca pousada na boca do meu copo, nada mais descansava sobre aquela mesa.
O bar dessa esquina não tinha nada de mais. E é por isso que me atraía, aliás, me atrai.
Um balcão brega e de azulejos brancos combina perfeitamente com as paredes, também de azulejos brancos. As enormes portas, são três, permitem que, mesmo de longe, se aviste o vermelho “WC”, escrito na porta do banheiro unissexo.
O chão de cimento batido contrasta lindamente com o resto do ambiente, tudo isso encantado com a belíssima voz de Carlos Alexandre, embora o som de um desses carros rebaixados, nesse dia, atrapalhasse a harmonia do local.

O cachorro marrom e branco
No pé da mesa vizinha estava Pedro, deitado no chão, esperando que alguma alma bondosa lhe arremessasse um osso, ou qualquer outra coisa mal vinda ao estômago humano. O canino já pairava nos 12 anos, com um de seus olhos cegos, recebia carinho e atenção do seu dono, o dono da bandeja. Este cachorro era praticamente um boêmio, encostado em uma mesa de bar, onde sempre fica até o amanhecer. Embebedado pela noite, a espera de um amor clandestino.

Pedido inconveniente
Aproveitei o silêncio da troca do CD para pedir uma porção de tripa frita, pedido este que não teria feito se fosse me dado o dom dos videntes. Na mesma hora em que Balthazar começou a entoar “Sara”, Rosa acendeu o cigarro e cuspiu,
-Esse país não vai pra frente não! Comé que um presidente, entendeu? Um presidente! Fala isso pro povo?! Isso é um desrespeito rapaz! Nunca vi uma coisa dessa, a pessoa chega falanu isso para o povo, inda mais senu o presidente! Entendeu?-
Daniel,
- Mas rapaz, é mermó! Nem tava lembranu disso... Como é que um chefe de estado fala uma palavra dessa?! Se eu tivesse lá eu tinha jogado um tijolo no meio das testa dele!-
Batendo na mesa, discordei,
-Mais veja só... vocês também num fala essa porra? Intão o que é que tem de mais o homi falar? Eu num vejo nada de mais, ele num é um homem normal? Concorda?-
Revoltado, Daniel, tocando o meu ombro, como se eu não estivesse prestando atenção, indagou,
-Tu já visse o presidente dos Estados Unidos da America falar uma coisa dessa?-
Tocou meu ombro mais uma vez,
-Tu já visse o primeiro ministro da Inglaterra falar uma palavra dessa?! Num viu não rapaz! Por que lá é país de homi! Se o cara falasse uma coisa dessa lá...rhum! Sei não viu...O pau cumia nego!-
Completou Rosa,
-Isso num existe não rapaz! Essas coisas só acontece aqui mermo, pq todo mundo faz o que quer nessa merda, Entendeu? Tão dizendo por aí que até dar o oiteco agora é normal! Entendeu?-
Perdi a paciência,
-Puta que pariu! Entendi cacete! Tu vai fica repetinu quantas vezes essa porra dessa palavra? Carai mim, tu é fodinha tu visse!-

As tripas ocuparam nossas bocas!

Silencio para as tripas
Foi o único e mais longo momento de silêncio naquela mesa.

Para mudar o rumo
“do Lat. Vomitare

v. tr.,
lançar pela boca o conteúdo gástrico;

jorrar;

fig.,

proferir com intenção de injuriar;

dizer de seguida sem resguardo ou pudor;

despejar;

jorrar;

desembuchar;

pop.,
contar o que era segredo.”

Foi o que me aconteceu. Eu sei que este não é o assunto que ocuparia a tarde de uma distinta senhora da orla ou de um homem de bem, mas quem gosta de agradar é puta, portanto, fiquemos com a verdade.
Depois disso não lembro mais de nada. Pulemos para o meu despertar então!

Bom dia bêbado imundo!
Meus olhos úmidos, de vômito e lambidas canina, abriram assim que o toque, nada delicado, da mão calejada do garçom balançou o meu ombro, balbuciando um,
-Bom dia bêbado imundo!-
Tudo bem, eu admito, não foi isso que ele disse, mas foi o que ele queria dizer.
-Bom dia!- Disse ele.
-Vai dar meia hora de cú felá da puta!- Respondi.
Mentira. Eu não falei isso, mais queria ter dito.
-Bom dia querido!- respondi.
Levantou-me. E eu cambaleando ainda consegui chegar a cadeira mais próxima.
Me recompus e já ia saindo do bar quando seu Plácido gritou,

-Ei rapaz! Num vai pagar não é?!
.
.
.
J.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Tirem esses óculos fundo de garrafa!

Que danado essas pessoas pensam sobre personalidade formada?
Será que elas não entendem que ter personalidade formada não é sinônimo de maturidade?!

Não as entendo, se a graça da vida é aceitar novas verdades e enterrar as absolutas como antiquadas, ultrapassadas, ou como verdadeiros clichês, por que esse povo dos trópicos vêem tanta originalidade na mesmice?

Se reinventar a cada segundo, assimilar novas informações e aceitar fatos tão coerentes como realidade é tão simples (isso quando você não vive na década de oitenta e ainda balança uma bandeira que hoje já não pende para esquerda...).

J.
Tristeza

A tristeza não deve ser Degustada em um único gole.
A tristeza deve ser apreciada diariamente, em doses homeopáticas, no mesmo ritmo dos goles de café e com o mesmo prazer que deleitamos a última costela de um pernil ao ponto. Nem seco nem cru.
A tristeza cotidiana... Felizes são os que sabem aproveitá-la com maestria!

Mau do amor, bem do amor
Vai saber...
Viver da tristeza, estupidamente falando, deve ser triste.
Viver sem ela deve ser no mínimo deselegante

Fazer decoro de felicidade é da mesma caretice que trajar vermelho comunista.
É de uma falsidade desmedida...


J.

domingo, 20 de setembro de 2009

Neste tempo de vacas Siliconadas as bichas andam soltas.
É o pastoril da indiscrição!

J.

sábado, 19 de setembro de 2009

Manual da pancada

Toda mulher gosta de apanhar. Os homens é que não sabem a hora exata de bater.

A porrada não deve ser dada com raiva, A porrada é um dos maiores gestos de carinho e deve ser dada com paixão, com desejo ou até por companheirismo.

O que dizer da mulher que não morde?!
Imaginem uma mulher que não morde...
A mulher que não morde é uma mulher fria, Não há amor possível sem mordida! (como rezou Nelson)

O murro, por exemplo (carinho que deve ser trocado somente entre homens), é praticamente um abraço.

Olhe...
Uma tapa bem dada pode salvar um casamento.



J.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Simpatia para acabar com o machismo

Material:12 latinhas de cerveja; 3 sacos de amendoins japonês; 2 carteiras de cigarro; 1 isqueiro; 1 copo americano; 1 recipiente de porte médio; 1 bandeja, de preferência, redonda; 1 poltrona, preta e revestida em couro de búfalo (você acha facilmente em lojas especializadas) ; 1 vitrola e 5 bons discos.

Preparo:
Parte 1:Coloque as latinhas no freezer 5 horas antes. Na hora H, abra uma delas e despeje até o colarinho do copo, abra um dos sacos de amendoim e coloque no recipiente exigido; Pegue uma das carteiras de cigarro e abra cuidadosamente o lacre, não esqueça o isqueiro.

Parte 2:Coloque a cerveja, o amendoim, o cigarro e o isqueiro na bandeja, sente o seu marido na confortável poltrona e sirva-o carinhosamente e repetitivamente até acabar as cervejas e os discos.

*Observações:
1- É importante que a mulher zele pelo cuidado ao servir, de preferência faça alguns treinos.

2- Em alguns casos não será possível realizar a simpatia, pois alguns homens não gostam que suas devidas esposas saiam desacompanhadas na rua, o que dificultará a compra do material pedido. Não se zangue por isto, ame-o mais ainda.

3- É importante lembrar que o material deve ser servido até o fim.

4- Se, por um acaso, ele dormir na poltrona, carregue-o femininamente até seu aconchego, caminho este que deve ser regado de muitos beijos e abraços.

5- Se mesmo assim seu marido continuar com hábitos machistas, persista, repetindo a receita até que o resultado apareça.





J.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A conquista da fêmea

Cada animal tem sua maneira de atrair, obrigar ou implorar o enlace da sacanagem. Embora os métodos sejam distintos, podemos facilmente associar uns aos outros. O peixe beta, por exemplo, com sua calda exuberante faz despertar olhares de interesse das senhoras betas. Os cachorros por outro lado, Cheiram-se os cús, em busca da melhor sorte futura. Já os ratos... Bem... É, eu nunca parei para pensar nisso!

A verdade é que em estudos recentes descobri que todos os segmentos da raça humana têm seu correspondente animal, e hoje quero tornar público o conhecimento de três casos desta correlação,


O Macho-beta: Geralmente, Alto, forte e loiro (se bem que hoje em dia ser loiro não é sinônimo de elegância, mas sim de L’Oreal, Natucor, celofane...) Os machos deste gênero não costumam ornamentar seus ombros com mangas, nem seus pés com sapatos, mas em compensação atraem a atenção das donzelas com lindas camisas coloridas (bem coloridas), bermudas floridas- ou com dragões, caveiras, enfim, qualquer coisa tenebrosa que saliente-lhe o ar de predominância. Sem falar dos encantadores acessórios que adornam seus pescoços, suas cinturas (principalmente as bolsas da cintura) e suas cabeças. Os machos dessa raça também costumam realizar uma dança característica de sua espécie, logo antes do ritual do acasalamento.

O macho-cachorro: Predominância de indivíduos de estatura mediana, cabelos volumosos e, na maioria das vezes, um óculos charmoso que lhe acentua o ar de intelectualidade. Esta família tem como principal arma a comunicação, habilidade adquirida através da alimentação de meia palma de livros por década. Os Cachorros têm como marca registrada uma protuberância arredondada logo abaixo da sua caixa torácica e um pouco acima de seu confidente-mor, como designou divinamente nosso amigo Xico Sá. Protuberância esta adquirida através da ingestão desmedida de líquidos oriundos da fermentação da cerva. Alguns desta espécie se dedicam a atividades nômades, utilizando como meio de transporte seu par de pernas (esses machos podem ser identificados facilmente, diagnostica-se assaduras entre as pernas, ou pela retração do saco escrotal). Outra grande atratividade deste sujeito é a mentira.

O macho-rato: Seres, em sua grande maioria, de baixa estatura, cabelos pretos e baixos e com sardas nos rostos. Usam óculos por necessidade e não tem lá seu charme. A grande arma desse sujeito é a sua fragilidade. Esses são os mais bem sucedidos do gênero. Animal dotado de habilidades psíquicas, assim catalogado pelo fato de despertar pena.


J.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A velha e o velho

Observava fixa e atentamente aquele episódio nada extraordinário,

Um velho rabugento saia de uma mercearia próxima à minha casa. Levava na mão uma dessas sacolas de supermercado e nas costas uns oitenta anos. Já na beira da rua, ou fim da calçada, olhou para os dois lados, para trás e, logo que viu a senhora, atravessou. Preocupação primeira e única.

Reflexão pessoal:
Nunca havia verificado efeitos tão profundos da velhice. Mesmo em minhas avós, tios-avós, bisavós... Sim! Conheci minhas bisavós, mas voltemos à senhora do senhor da mercearia. Foi medonha a pena que senti ao ver aquela, também rabugenta, senhora. Não sabia, e até hoje não sei, se devia sentir-me triste pelo deplorável estado dos dois, o velho também era velho- embora menos que ela- ou se devia admirar o exímio trabalho da velhice. Nunca vira trabalho tão bem acabado, literal e metaforicamente falando.

A senhora de setenta anos, acho eu, e seus magníficos olhos azuis, de um azul realmente vivo (acho que era o único resquício de vida daquele corpo), no meio-fio esperava para atravessar, enquanto o velho já se distanciava uns vinte metros, sem demonstrar a menor preocupação. E eu observava com os ombros encostados numa dessas árvores centenárias próximo ao ponto de ônibus. Dali julgava o velho irresponsável como uma metralhadora de adjetivos. Embora também não fizesse nada pela velha. Não sei se por preguiça ou por uma vontade maior, uma espécie de atração, que me motivava a apenas observar a cena nada incomum, sem interferir no seu desfeche.
Depois do obstáculo rua, vieram os degraus, buracos e rampas daquela calejada calçada. Nesta hora preocupei-me ainda mais, na mesma proporção que aumentava o ódio que sentia pelo velho. Foi tanto que uma hora parou. Parou exatamente quando acabaram as balas da metralhadora. Nesta hora cada buraco era uma parca, cada rampa um pulsar mais forte, meu é claro, mas a velha seguia firme, embora lenta e perigosamente. A cada obstáculo vencido, um sentimento de alívio.
Agora já não odiava mais o velho, mas sentia pena. Sentia pena, por que imaginei o mal maior. Imaginei a morte da velha. Sentia pena do velho só por imaginar o tamanho do remorso que ele sentiria. Não há sentimento pior, e por isso agora odiava a velha. Sim, é isso mesmo. Eu a odiava.

O velho continuou seguindo o seu destino, sempre na frente da velha, até entrar em sua residência, uma casa de azulejos rosados a poucos metros da mercearia. A senhora, porém, ainda não havia chegado ao seu destino. Continuou caminhando sem interrupções, embora com a vagarosidade dos anos, mas com os pés sempre firmes. Mas eu não confiava muito naqueles pés, não sei o porquê, mas não confiava. E foi aí que percebi que a raiva que eu sentia não era do velho, muito menos da velha, mas era daqueles pés. Eu detestava os pés daquela velha. Eram eles os culpados pelo pender da velha, pelo possível remorso do velho e por toda minha preocupação. Eu, definitivamente, odiava os pés daquela velha.

A velha, apesar de todas as minhas inquietações e, talvez, com uma expectativa doentia de tragédia, seguiu firme, atravessando todos os obstáculos urbanos, até entrar novamente em sua residência, sem que nada acontecesse.


J.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Diário da segunda feira

Desculpe-me Manoel, mas morre-se três vezes. Uma na carne, uma no nome e outra na segunda feira, esta vadia sanguessuga que vem após um domingo de cestas do cão*.
Do cão: expressão dúbia, na maioria das vezes, significa “do diabo”; em recife, única e exclusivamente, pode ser substituída por “caralho”.

Ontem, voltando de Setúbal, com minha prima Ana Flávia, que Deus a pague em dobro este gesto de bondade, guiando o automóvel de meu pai (que estava dormindo no banco do co-piloto), ao vermos uma placa que explicava: “Proibido virar a esquerda em dias úteis das 07:00 às 20:00” , logo ali, na avenida Agamenon, pegando a esquerda “como quem vai” (adoro essa expressão) para a praça do entroncamento, ou para uma das psicodélicas festas do clube Português, que iniciei meu conflito pessoal,
Segunda é um dia útil?
Para todo efeito, pegamos a esquerda, afinal, ontem foi domingo. Pegamos a esquerda, seguimos pela Av. Conselheiro Rosa e Silva até encontrarmos a casa de Maria da Penha, neste dia só habitava Lúcia Rosa da Silva, que combina com Rosa e silva.
Mais tarde me telefonaram e fui para no camelódromo, guiando dois italianos até o pátio de São Pedro (huauahuuhuauhuha), Confesso que estava com vontade de ir. De lá para o Hermilo, do Hermilo pra o Cais e do Cais para casa. Mas foi- não sei exatamente onde- neste trajeto que percebi que o pior da segunda não é a segunda, e sim sua expectativa, em miúdos, o domingo.


J.

domingo, 13 de setembro de 2009

Achava graça em tudo que era profano...
Achava graça em tudo que era sacro...
Eu amava de mais
Eu tinha raiva de mais
Eu ria muito
Eu chorava pouco
Eu sentia tudo

Achava Graça em tudo que era profano...
Achava Graça em tudo que era sacro...
Eu amava de mais
Eu tinha raiva de mais
Eu ria muito
Eu chorava pouco
Eu sentia tudo

J.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O Sargaço no mar


Silencioso, salgado e cínico
O sargaço no mar

Impiedoso, inconveniente e ingrato
O sargaço no mar

Levas meu medo, minha frustração e meu desencanto
Se possível, sargaço, pro outro lado, no mar.

Lembro do medo que ele me punha
Quando menor,

- Mamãe! Mamãe!
Uma tartaruga! Uma aranha!
Um bicho! Um monstro!-

Hoje maior,
Vi que tu, mamãe, tinhas razão
Era só o sargaço no mar.



J.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Estetoscópio



tuff!
.
tuff! tuff!
tuff! tuff!
.
tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff!
.
tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff!
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tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
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tuff! tuff! tuff! tuff! tuff! tuff! tuff!
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terça-feira, 1 de setembro de 2009

O apartamento ao meu lado

Quando meu vizinho se mudou, foi um susto. Ninguém esperava, nem soubemos o seu destino?!
Depois de alguns anos em desuso, novas pessoas o habitam.

Vejo tudo do olho mágico

Chegam artistas, médicos, pedreiros, bicheiros, funcionários públicos... Principalmente artistas. Eles chegam a qualquer hora. Só chegam.

Não sei o que há lá dentro. Vejo tudo do olho mágico.

Chegam crianças, velhos, mulheres, mulheres velhas e artistas. Só chegam.

Vejo tudo do olho mágico.

Foi quando, para minha satisfação, colocaram uma porta de vidro que dei fim a minha curiosidade. O apartamento ao meu lado se transformara numa longa sala de espera.
Onde todos são pessoas e, por incrível (talvez inaceitável- ou brega mesmo-) que pareça, são todos iguais.

Vejo tudo do olho mágico.

Ao fundo da sala vejo um balcão, e por detrás dele uma parede amarela, onde ficam pendurados os chicotes, que o balconista faz questão de mantê-los em uso. Ao lado de cada fileira de cadeira, uma mesinha com revistas antigas e jornais do dia.

Vejo tudo do olho mágico.

Os que chegam, esperam e são chamados, entram por uma porta vermelha. Uma porta redonda e vermelha.
Quando a porta abre podemos ouvir, mesmo de longe, gargalhadas infindas. Estão todos felizes.
Ninguém volta, não sei o que há por detrás daquela porta.

Vejo tudo do olho mágico, o corredor iluminado e o apartamento. Ao meu lado.
J.

domingo, 30 de agosto de 2009

"Cantar nunca foi só de alegria
com tempo ruim agente também dá bom dia"
*
Fim de tarde ensolarado
As meninas...
Pequenas, sabidas experientes defloram-se em risos
Ingênuas, impuras e sorridentes
Sorriem, pulam e gostam
Aflitas antes do pulo
Felizes ao bater n'água
TIBUM!
A água espirra e molha a menina sentada à borda
Mais um riso
Enervam-se, jogam água uma nas outras e têm medo
Umas morrem afogadas
Outras riem do fim de tarde ensolarado
J.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Dos novos

Bom dia! (me refiro ao intervalo De 24h que compõe o dia)

Hoje é dia de samba!
Entrem na página 2 e baixem o cd de batatinha. Baiano, sambista e fantástico.

Muitóbrigaldo hilton-resta, por me apresentá-lo!

Aí segue um de meus contos mais recentes, na verdade ele nasceu de um sonho, eu sei, é difícil de acreditar (não pela qualidade).
Ps. "FUMANTES, AVANTE!"

Abraços amargos,
jeronimo!



O EXTRAVIADOR DE HORAS

Olhei meu relógio e percebi que ela não estava lá, justo a hora 6, dentre outras tantas. Alegaram trafico de alegria, mas não acredito muito, afinal, estamos em seu período de entresafra. Talvez um sorriso ou outro, mas nada que justifique um extravio.
Outro dia vi a hora 13, rindo que só vendo, mas ninguém fez nada, disseram que foi culpa do fastio.
Confesso que a hora 2 já me vendeu algumas doses de alegria, mas nada comparado à garrafa de felicidade que um amigo conseguiu no mercado negro... Confesso também já ter roubado algumas gotas de inveja.
As horas 19 e 18 também foram extraviadas semana passada, carregadas de compreensão. Acho melhor não pensar mais nisso por hoje, vou descansar. Agora só me restam 21 navios.
Acordei as 5:45, nesse caso, 15 pras 7. Não dormi muito. Fui até a cozinha tomar um pouco de desperteza. Abri o jornal e logo li,

Hora dose presa por transportar honestidade!
(A 14 cumpre suspensão por transportar cargas da amor acima do peso permitido.)

Mal humorado, fechei o jornal e fui comprar saquinhos de rancor e pó de amargura, estavam bem baratos, trouxe o troco de inverdades, estão a preço de nada, já que o mercado está aquecido. Voltei para casa mais leve, estava feliz com as aquisições feitas. Deixei a água esquentando e fui me arrumar (não tardaria até chegar a hora que está trazendo meu alívio- voltava do Japão, foi a trabalho). Bebi meu chá de amargura, admito que estava um pouco doce, e saí para buscá-la.
Estacionei meu carro (o porto estava lotado), e logo em seguida ele veio ao meu encontro, com suas malas e novidades, cheias de desaforo. Sentou ao meu lado, beijou-me nos lábios e descarregou sua ressaca. Falou-me de coisas alheias, sem sentido algum, contou-me também más novidades, inclusive uma sobre outro extravio. Depois me relatou as coisas que comprara. Falou-me também, de uns problemas incríveis que trouxera para sua sobrinha, do desconforto que trouxe para benefício próprio e das dores de cabeça que achara para sua mãe, se sobrar alguma ela me dá (pelo menos foi o que ela disse).
Ah sim! Quase me esqueci! Ao chegarmos em casa confirmamos outra hora extraviada: a 23. Vinha entupido de saudade, disseram que até nos quartos tinha dela.
Amanhã lhe falo um pouco mais das coisas de minha vida, ando meio sem tempo sabe? Ainda preciso passar novamente no porto, vou ver se encontro algum navio com sofrimento, o meu foi embora e não consigo me acostumar.
Agora vou indo.

Um abraço do seu querido amigo desprezo.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Começo!

Seria pretensão minha dizer-lhe que daqui em diante sua vida vai mudar?!
Bem... Seria.
Enfim,
Caso não mude, ligue para irmã Marlene (os interessados peçam-me o telefone).

Sabe aqueles escritores medíocres que escrevem porcarias e obrigam você (amigo, colega, familiar e outras tantas raças de cristão) a perder tempo lendo idiotices e comentando-as, com doses cavalares de eufemismo barato? Eu sou um deles. Pois então tratem de arrumar tempo e paciência, pois eu não pretendo poupá-los!

Para começar, vou publicar um de meus contos mais antigos, que confesso achá-lo um pouco verde, mas que relendo por esses dias admito enxergar certa graça nele.

Sim! Se alguém souber alguma piada boa, pode me contar, ando precisado.

DICA DO DIA: Nunca duvidem da fidelidade dos asmáticos, pois eles já têm problemas demais.

No mais, peço que me desculpem caso haja algum problema ortográfico. Prenderam meus óculos ontem! Ele estava tentando me matar de vergonha!

Aí vai...




Amigas de igreja


Meio


...Desceu do ônibus.

Esse é o final da história, mas vou-lhes contar o meio, pois final sem meio é começo.


Eliane era seu nome, morava no Alto Pascoal e possuía uma casa com dois andares, ou melhor, um puxadinho vertical. Engravidara aos dezessete anos e criava um filho de quatro, literal e metaforicamente.

Quando ia trabalhar apanhava Pascoal/derby, pois conhecia o motorista. Nem sei se existe mais. Deixava o seu filho com Joelma, amiga de igreja. O pastor sempre dizia que mãe é quem cria, mas Eliane não podia deixar de encontrar Kerginaldo, era uma necessidade. Seu filho, Stanley, tinha cabelos pretos e olhos verdes, herdados do seu pai, um sarará. Stanley não gostava da mãe, mas também não gostava de muita coisa.


Joelma


Conhecera Joelma na igreja a, precisamente, 5 anos. Mantinha uma relação de amizade tão intensa que as portas de suas casas não eram mais obstáculos entre elas. Eliane confiaria sua vida a ela, se fosse necessário. E isto é tudo que precisas saber.


O começo


Se tu não percebeste, perceba agora. No capitulo anterior não falei do começo, pois me preocupei com o meio e o fim, mas toda história tem um começo e, por mais insigne que seja, merece ser contado.


XXXVI


-36, por favor. - Berrou o balconista.

Depois de entregar a senha ela subiu as escadas. Entrou numa sala amadeirada onde estava sentado um sujeito de meia idade e olhos verdes.

-Sente-se!- Disse o sujeito. Aproximou-se e puxou a cadeira. Estava nervosa.

-Quanto quer?- Perguntou o sujeito.
- Minha mãe está muito doente e eu... -

-Não estou preocupado com a história da puta da tua mãe! Quanto quer?!-

-Trinta!-

-Vai pagar quando?-

- Daqui a uma semana. -

-Então vai pagar 60. -

-Mais eu só... - Interrompeu-a.

-Quer ou não quer?-
Pegou o dinheiro e saiu resmungando e, descendo as escadas, ouviu o balconista,

-Próximo!-


Reflexão do próximo


Pauso a narrativa para decifrar o que se passava na cabeça de Eliane enquanto descia as escadas.

“O próximo...

O próximo deve sê apenas mai um que vai subi as escada e depoi descê. Ingualzinho a mim. Primeiro eu, depoi ele e depoi outro. Depoi eu de novo, depoi ele de novo e depoi o outro de novo. Passa tanta gente puressa escada, mai ela não tem história alguma. O próximo se chama 37, mai amanhã ele pode sê 15. Eu hoje fui 36.

Semana que vem, quando eu vim cum Binha, quero ser pelo menu a 9.”


Semana que vem


A semana que vem chegou. Binha não pode ir, foi só mesmo. Nesse dia se Chamava 22. Não era o que queria, mas pelo menos não era 36. Levara 40 reais e, junto ao dinheiro, dentro da carteira, o medo.

-Só isso! Eu te empresto a porra dos 30 reais e você me aparece aqui só com isso, sua puta?! Ta doida?-

-Mai eu não tenho esse din... -

-Arruma! Tenho certeza que em algum desse bolsos tem mais 20 conto. Bora cacete, esvazia as porra dos bolso!-

-Óia aqui moço eu não tenho não. Pur favor deixa eu ir. -

-Vai tomar no cú! Tu arruma a porra dos 40 e num consegue mais 20. Ou você me paga a merda do dinheiro ou você me paga com outro tipo de serviço!-

-Que selviço!?-


E foi assim que nasceu Stanley.


Retomada


Voltemos, enfim, para o meio. Saiu às 22h30min, uma minúscula saia preta e uma camisa marrom curtíssima a vestia. Seu ponto era na Avenida Marechal Luis Osório, Kerginaldo era sempre seu primeiro cliente nos sábados, “Não gosto de Pão com banha!”, dizia. Eliane o atendia cegamente, não iniciava a jornada enquanto “Kergi.”, era assim que ela o chamava, batesse o ponto.

-Eu sô puta, mas ti amo vi kergi!-

-Eu também minha estauta! Tu num sabe?-Fazia questão de dizer isso em todos os encontros e, realmente, era semi-fiel a kerginaldo. Fazia questão de não cobrar.

-Qui hora tu acaba o selviço?-

- Sei não vi Kergi, mai acho que hoje num vai tê muita gente não-

- Intão tu vai mi encontrar amais tarde?-

-Aonde mininu?!-

- La nu bá du tel.-

- Pronto. Intão ta certo. Mai tu num fica bebênu muitu não antes deu chega não, visse?-

-Visse!-

-Xau!-

Despediram-se, enfim, ou quem sabe, em começo. Dali foi pro abate, a cabeça baixa não a deixava ver estrelas. Não gostava do que fazia. “Eu sô crente”. As lágrimas sinceras não demoravam a cair e, uma por uma, enchia o seu copo de vergonha. Pensava em Kergi, e bebia tudo em um único gole.


Fim da jornada e ultima aurora


Sentia-se imunda.


O encontro


Três horas no relógio. Sete de desespero. Quinze minutos de espera e a subida no ônibus. O tempo passava em um minuto. Não via mais rostos, via carne. Só carne.


Puxou o cordão preto, era o sinal da descida. Desceu quando a luz já clareava. O sol dissecou toda a magoa, sua áurea tornou-se viva novamente. Ergueu sua cabeça e abriu um sorriso quando ouviu o barulho da manhã.

-Será que Kergi ainda ta lá? Espero que sim!-

Estava decidida a largar essa vida. Casaria com Kerginaldo, teria mais dois filhos e cuidaria de Kergi. “só di Kergi!”.


A cem metros


O seu destino estava a cem metros e a 37 segundos. A mesa pra dois, com uma das cadeiras vazia, encheu a sua alma de luz. Parou, olhou para o céu e com devoção os braços levantou. Rezou.

Saiu do transe e caminhou com passos de procissão na direção do amado. Seu coração batia mais rápido e seu corpo explodia em grandes erupções nervosas.


Do céu para o inferno


Do céu para o inferno desceu sem escalas, quando viu uma mulher saindo do banheiro e sentando em seu lugar. Parou. Chorou... Caminhou.

Tirou o que estava escondido e fez espirrar, com uma só facada, o sangue do pescoço de Joelma. O vermelho do sangue que a banhava tingia sua alma de uma paz sem fim e o sabor da vingança ensangüentada fez-la sentir, pela primeira vez, o gosto da carne.

Com uma gargalhada de tirar o fôlego, deixou Kerginaldo sentado no bar, sem nenhuma reação, balbuciando duas palavras:

-Ta c´oa cibôla!-


Subiu no ônibus. Desceu do ônibus.


Fim