terça-feira, 6 de outubro de 2009

Conto novo!

O vendedor de cata-ventos

Por lá ia eu. Aquela rua centenária, aquelas casas centenárias e aquelas pessoas centenárias.
Lembro-me como se fosse ontem, uma rua estreita de casas antigas, uma rua colorida, chamada nostalgia. Uma das ruas mais lindas daquela cidade, com as pessoas mais esquisitas daquela cidade.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

Doutor Jarbas disse que a cicatrização não demoraria, mas já faz uma semana...
Eu sabia que ele não era de confiança, aliás, nenhum médico é de confiança.
Disse-me também, antes de pegar o bisturi elétrico, que não doeria.
Se eu soubesse que a anestesia doía tanto assim, teria feito sem ela.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

Não caí. Graças à Nossa Senhora Protetora dos que não olham para o chão.
Rezo todos os dias.

Passou a 315, a 285, a 277...
Parei na 115, casa escabrosa.
De um vermelho desbotado e velho, não combinava com a rua e, apesar de também ser uma construção de idade elevada, nada se comparava às outras.
A casa não tinha muitos adornos, era reta e sem janelas. Não havia degraus, não havia grade e não havia nada. A porta, entreaberta, era uma tabua sem cor. Não havia um azulejo, até por que era vermelha.

Meu pé, naquela hora, inchado, obrigou-me a sentar no batente em frente da casa.
Ah! Que pena senti quando descobri que havia esquecido meu conhaque...

A vida já está me pesando nos ombros, a vida e a carroça. Lembrei-me do mito da caverna. Também, como não haveria de pesar a minha carroça? Não existem mais crianças, estão todos velhos, estão todos cansados e com sono. Platão é um idiota, como pode explicar o mundo?! As crianças de hoje estão dormindo. Se Platão entendesse que não adianta saber um pouco de tudo... Não se fazem mais crianças como antigamente. Eu, por exemplo, prefiro compreender tudo, sobre quase nada. Se bem que eu acho que ele não entenderia, afinal, ele só entende um pouco. De quase tudo.

Por lá ia eu, Puxando minha perna esquerda.
Por lá ia eu, procurando a casa 71.

J.

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